04/05/2021 às 22h05

TST: acúmulo de funções correlatas

Por Equipe Editorial

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Senha Assinante: LYSARB44

Prezados Senhores,

Estabelecimento no ramo de alimentação que faz só entrega DELIVERY, possui funcionários que exercem a função de OPERADOR DE LOJA. Pergunta: Se esse funcionário fizer entrega (a pé, dentro de um raio de até 1 KM), é considerado acumulo de função.

Por gentileza, informar base legal.

Atenciosamente,

Claudiana.


1. Preliminarmente

2. Desvio e Acúmulo de Função

3. Jurisprudência

4. Regras na CLT

5. Consequências    

6. Aspectos Laborais

7. Síntese Conclusiva

 


1. Preliminarmente

        Não há previsão expressa na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT sobre desvio de função ou acúmulo de função, muito menos sobre o pagamento de acréscimo salarial em razão de sua ocorrência no curso do contrato de trabalho. Mas isto não significa dizer que não existam e que não gerem efeitos.

        Há dispositivos legais na CLT que nos dão o norte para um posicionamento acerca do desvio e do acúmulo de função, como veremos adiante: arts. 8°, 9°, 444, 456 e 468. A jurisprudência também nos guarnece de informações e de cautelas.

        Certo é que estamos num terreno instável por se deixar a definição sobre ocorrência ou não de desvio ou de acúmulo de função e suas consequências a cargo da jurisprudência trabalhista. Ou seja, a resposta sempre dependerá da análise das circunstâncias do caso concreto pelo julgador, e da convicção que vier a formar.

2. Desvio e Acúmulo de Função

        Mas agora precisamos responder a duas importantes perguntas: O que é acúmulo de função? O que é o desvio de função?

        O acúmulo acontece quando o trabalhador exerce atividades de um cargo diferente, além da sua própria função. Isso pode acontecer, por exemplo, quando um empregado contratado para ser vendedor passa a exercer, também, as funções de caixa, acumulando as duas atividades.

        O desvio acontece quando um trabalhador exerce uma função distinta daquela para a qual foi contratado, sem a sua concordância e a devida alteração contratual. Por exemplo, um vendedor deixa de exercer essa atividade e passa a trabalhar como caixa da loja sem receber o reajuste salarial devido.

3. Jurisprudência

        Motorista e Cobrador. Sem Acúmulo de Função. Vemos que o Tribunal Superior do Trabalho tem se posicionado reiteradamente, em relação ao motorista de ônibus que atua concomitantemente como cobrador, no sentido de que não há acúmulo de função [Recurso de Revista nº 488-12.2012.5.09.0663, 8ª Turma do TST, acórdão DJe de 04/05/18].

        Transporte de Valores em Desvio de Função. De outro lado, há julgados reconhecendo desvio de função com pagamento automático de indenização por dano moral ao empregado, quando ele, além da entrega de mercadorias em estabelecimentos, transporta, a mando do empregador, o dinheiro relativo às entregas. O que pesa em desfavor do patrão é a exposição do empregado ao risco inerente ao transporte de valores, para o qual a lei exige a contratação de empresa de segurança ou de profissionais especificamente treinados.

        Em recente decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho – TST, restou assentado que não é lícito à empresa expor seus empregados a risco de assaltos no exercício de função que não é inerente ao cargo ocupado. A ministra observou que o Tribunal já consolidou o entendimento de que é devida a indenização por danos morais no caso de transporte de valores em desvio de função, não sendo necessário a prova do dano moral [Agravo em Recurso de Revista 1347-18.2015.5.06.0142 – 2ª Turma – acórdão publicado em 14/02/20].

        Frentista e Caixa. Acúmulo de Funções Distintas e Incompatíveis. A Quarta Turma do TST, ratificando o entendimento do TRT de Santa Catarina, entendeu que há acúmulo ilegal de funções no exercício habitual e concomitante de funções distintas e incompatíveis com aquelas para as quais o empregado originalmente foi contratado. No caso em exame, o Tribunal Regional reconheceu o acúmulo de funções [frentista e caixa] e deferiu um acréscimo de 10% sobre a remuneração do empregado. Registrou que "a atividade de caixa não guarda relação com a função para a qual o autor foi contratado, qual seja, frentista". Consta do aresto paradigma a tese de que "não há como negar que a atividade de cobrança dos clientes é inerente à função de frentista, porquanto é praxe nos postos de combustíveis que os frentistas desempenhem tal atividade", demonstrando divergência jurisprudencial.

        Segundo a decisão do TRT, o Reclamante foi admitido para exercer a função de frentista, mas realizava habitualmente a função de caixa, atividade alheia àquelas inerentes à função contratada, sendo devido, portanto, o acréscimo correspondente na remuneração. Além disso, a própria Reclamada afirma, nas razões do recurso de revista, que possuía empregada contratada exclusivamente para exercer a função de caixa, o que também evidencia que, quando da contratação do Reclamante, não houve pactuação no sentido de que ele acumularia as duas funções, de frentista e caixa [Recurso de Revista 449-94.2015.5.12.0026, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT de 10/08/18].

        Desvio de Função. De Recepcionista para Auxiliar de Compras. Diferenças Salariais. A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Comercial […] Ltda., de São Paulo/SP, a pagar diferenças salariais a uma empregada contratada como recepcionista e, posteriormente, promovida a auxiliar de compras sem alteração do salário. No entendimento da ministra Delaíde Miranda Arantes, o deferimento de diferenças decorrentes do desvio de função não exige que a empresa tenha quadro de carreira. “Basta a comprovação, pelo empregado, de que passou a desempenhar função diversa daquela para a qual fora originalmente contratado”, afirmou [Recurso de Revista 2506-81.2015.5.02.0085].

          Do exposto, nota-se que há vários aspectos que devem ser analisados para se definir se há ou não desvio de função ou acúmulo de função, tais como:

          – se há serviço extra imposto pelo empregador;

          – existência ou não de vícios de consentimento (se o empregado concordou com a alteração de forma livre, consciente e desembaraçada);

          – o tempo despendido para a atividade extra;

          – se a atividade extra é realizada dentro da jornada;

          – se há ou não funções compatíveis e distintas;

          – o porte da empresa, havendo ou não empregado contratado especificamente para a atividade extra;

          – regras do plano de cargos e salários ou do plano de carreira, acaso existentes;

          – observância do contrato de trabalho;

– ausência ou não de prejuízo para o empregado;

           – responsabilidade ou complexidade superior na nova atuação.

4. Regras na CLT

        Veja as regras celetistas citadas inicialmente, com destaques acrescidos:

ART. 444As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

ART. 456 – A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito.              

Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

ART. 468Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. […]

ART. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)        

§ 2° Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) […]

Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

          Ou seja, nos termos do artigo 444 da CLT, o contrato de trabalho é de livre estipulação entre as partes, desde que não contrarie as normas imperativas de proteção do trabalho. A estipulação das regras pode se dar até mesmo numa conversa, sem contrato escrito.

          No entanto, o contrato escrito constitui prova documental do ajuste, e é aconselhável que nele constem, além das informações de cargo/função, jornada de trabalho, salário, as atividades a serem desempenhadas, trazendo assim informações além das constantes do registro em CTPS, e que possam evitar conflitos e divergências futuras.

          É pois importante, mas não comum, descrever por escrito, na celebração do contrato de trabalho, as atividades que deverão ser realizadas pelo empregado.

         Se nada for convencionado a respeito das atividades do empregado, prevê o parágrafo único do artigo 456 que o empregado “se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal”. E é essa compatibilidade e a ausência de prejuízo para o empregado que a Justiça analisa e leva em conta caso a caso.

5. Consequências             

          Quando o empregador solicita que o trabalhador exerça atividades diferentes daquelas para as quais foi contratado ou exige que ele acumule funções, sem a sua concordância, o entendimento é de que houve alteração unilateral do contrato, o que é vedado pela legislação, conforme torna explícito o art. 468 da CLT.

          Entretanto, os direitos do trabalhador variam de acordo com a situação, podendo ser garantidas as diferenças salariais ou a rescisão indireta do contrato de trabalho.

          Havendo desvio de função, se o novo cargo exige conhecimento técnico, habilidades específicas ou de grau superior, sem que a empresa aumente a remuneração, haverá o enriquecimento sem causa da empresa. Assim, o trabalhador terá direito a receber diferenças salariais. Na hipótese de acúmulo de funções, o aumento salarial é devido, tendo em vista que o empregado exerce mais de uma função na empresa.

          Porém, vale ressaltar que essa questão deve ser analisada de acordo com cada caso, pois nem sempre o empregado terá direito ao aumento na remuneração. Por exemplo, se no desvio de função o novo cargo exercido é compatível com o salário pago pela empresa, não seria devido o adicional.

         A rescisão indireta é a justa causa do empregador e, nesse caso, pode ser aplicada pelo descumprimento contratual. O art. 483, “a”, da CLT deixa claro que o empregado poderá considerar o contrato de trabalho rescindido e requerer a devida indenização, caso tenham sido exigidos serviços alheios aos contratados.

          O pedido deve ser feito judicialmente pelo empregado e se acolhido, gera ao empregado o direito às mesmas verbas que seriam devidas caso ele fosse demitido sem justa causa, incluindo a multa de 40% do FGTS, o saque do fundo de garantia e, se cumprir os requisitos, o seguro-desemprego.

6. Aspectos Laborais

          A interpretação literal do parágrafo único do artigo 456 não pode levar à conclusão que são permitidas pelo ordenamento alterações drásticas nas funções do trabalhador ou a inclusão de atribuições incompatíveis com as originalmente contratadas, desde que compatíveis com a sua “condição pessoal”.

          Contra tal interpretação, há a clara regra do art. 468 da CLT, no sentido de que toda alteração do contrato deve ser fruto de acordo e ao mesmo tempo não pode ser prejudicial ao empregado.

          Assim sendo, é razoável cogitar o pagamento de um acréscimo salarial mínimo de 10% a título de "gratificação" pelas atividades extras exercidas atualmente (delivery), mesmo porque o empregado acumulará o serviço da loja com o de entrega, recebendo valores (recomenda-se aqui apenas o recebimento via cartão de débito e crédito ou digital, para que o empregado não transporte valores e se sujeite a maiores riscos, com consequente responsabilização da empresa).

          Como o serviço de entrega será executado a pé, há que se analisar a segurança do trabalho e a ausência de penosidade. Por exemplo, se o trabalhador caminhar 6 km diários nas entregas, sob forte sol, a penosidade pode ser configurada; noutra hipótese, se determinada empregada caminhar 500m, à noite, em local mal iluminado, poderá ser alvo de violência contra a mulher.

          O novo ajuste e o pagamento do acréscimo salarial correspondente deve constar em aditivo contratual e no contracheque do empregado.         


         Pelo exposto, é defensável dizer que há Acúmulo de Função, independente do meio de locomoção utilizado pelos empregados (a pé, bicicleta, moto ou carro), face o que sugerimos as cautelas apontadas no item anterior.      

        ALSC: revisado 2021.05.04

 


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