12/05/2015 às 06h05

Fiador não tem poderes para discutir cláusulas e juros contratuais

Por Equipe Editorial

 O juízo de primeiro grau, concluindo ser a fiadora parte ilegítima para pretender a revisão das cláusulas contratuais do negócio jurídico principal e a repetição de indébito por pagamentos que não realizou, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, apenas no tocante à pretensão revisional/repetitória relativa ao primeiro contrato. Quanto ao segundo pacto, julgou prescrita a pretensão autoral sob o fundamento de que seria aplicável à hipótese vertente o art. 178, § 10, do Código Civil de 1916, segundo o qual “A prestação de juros e outras prestações acessórias prescrevem em cinco anos“.

 Alega com base no art. 3º do CPC – porque, ao contrário do que decidido pela Corte local, o fiador, visto que responsável solidariamente pelo pagamento da dívida, seria parte legítima para pretender em juízo a revisão do contrato principal de mútuo, especialmente por ter interesse na eventual redução do montante devido.

 Da Discussão

 Cinge-se a controvérsia a definir (i) se a rejeição dos aclaratórios pela Corte de origem constituiu negativa de prestação jurisdicional; (ii) qual o prazo prescricional aplicável à pretensão de revisão de cláusulas e encargos contratuais apontados como abusivos e (iii) se a empresa ora recorrente, que figura como fiadora no contrato de mútuo de fls. 74/82 (e-STJ), é parte legítima para, exclusivamente e em nome próprio, pretender em juízo a revisão do referido negócio jurídico sob o fundamento de que abusivas as cláusulas ali pactuadas.

 Em março de 2002, uma empresa ajuizou ação de revisão de cláusulas contratuais e encargos financeiros contra um banco. Pediu que fossem afastados encargos tidos por abusivos em dois contratos de mútuo firmados com a instituição financeira. Pleiteava também a restituição dos valores indevidamente cobrados.

 Como consabido, fiança é obrigação acessória, assumida por terceiro, que garante ao credor o cumprimento total ou parcial da obrigação principal de outrem (o devedor) caso este não a cumpra ou não possa cumpri-la conforme o avençado.

 Esse conceito é facilmente extraído do art. 1.481 do Código Civil revogado bem como do art. 818 do Código Civil vigente, que dispõe: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra “.

 A fiança contratual apresenta como uma de suas principais características a acessoriedade, ou seja, é espécie de contrato secundário que pressupõe a existência de um contrato principal (aquele cujo adimplemento visa garantir).

 A cada um de nós não é permitido propor ações sobre todas as lides que ocorrem no mundo.

 Em regra, somente podem demandar aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito material trazida a juízo. Cada um deve propor as ações relativas aos seus direitos. Salvo nos casos excepcionais previstos em lei, quem está autorizado a agir é o sujeito da relação jurídica discutida. Assim,quem pode propor a ação de cobrança de um crédito é o credor, quem podepropor a ação de despejo é o locador, quem pode pleitear a reparação do dano é aquele que o sofreu “. (Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., São Paulo:Saraiva, 1998, pág 77 – grifou-se)

 Ação Extinta

 Em primeira instância, a ação foi extinta sem julgamento de mérito apenas no tocante à pretensão revisional/repetitória relativa ao primeiro contrato. O magistrado concluiu que, por ser fiadora, a empresa é parte ilegítima para pretender a revisão contratual referente aos pagamentos que não realizou.

Quanto ao segundo contrato, o juízo entendeu estar prescrito o pedido sob o fundamento de que seria aplicável o artigo 178, parágrafo 10, do CC de 1916. Rejeitada sua apelação, a empresa recorreu ao STJ sustentando que, por ser fiadora e responder solidariamente pelo pagamento da dívida, seria parte legítima para pretender em juízo a revisão do contrato, já que tem interesse na redução do valor devido.

 Sobre a prescrição, alegou que o prazo aplicável ao caso é de 20 anos, e não de cinco, pois a ação não é de cobrança de juros ou acessórios pactuados. Além disso, sustentou, não há prazo especificamente estabelecido para a pretensão da revisão de cláusulas contratuais.

 Legitimação

 Em seu voto, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que o fiador não é parte legítima para postular em nome próprio a revisão das cláusulas e encargos do contrato principal. Segundo ele, a legitimação não pode ser confundida com o interesse de agir. A legitimação é qualidade reconhecida ao titular do direito material que se pretende tutelar em juízo, e o fiador não pode atuar como substituto processual.

 De acordo com o ministro, a existência de interesse econômico do fiador na eventual redução do valor da dívida que se comprometeu a garantir “não lhe confere, por si só, legitimidade ativa para a causa revisional da obrigação principal, sendo irrelevante, nesse aspecto, o fato de responder de modo subsidiário ou mesmo solidariamente pelo adimplemento da obrigação”.

 Prescrição

 Sobre a prescrição, Villas Bôas Cueva entendeu ser inaplicável o prazo quinquenal (artigo 178, parágrafo 10, do CC de 1916, já revogado) no caso de contratos bancários que não apresentam prazo determinado. Por essa razão, afastou a decisão do tribunal de origem que indevidamente reconheceu a prescrição.

 O ministro esclareceu que a ação revisional de contrato bancário, fundada em direito pessoal, não possui prazo prescricional específico, recaindo na regra geral do Código Civil vigente à época da avença. Se o caso ocorrer na vigência do CC/02, o prazo será de dez anos, previsto no caput do artigo 205. Por outro lado, se ocorreu na vigência do CC/16, o prazo será o do artigo 177, com redação determinada pela Lei 2.437/55 (também já revogada).

 Decisão STJ

 O relator determinou o retorno dos autos para que o juízo de primeiro grau analise o pedido revisional/repetitório relativo a um dos contratos firmados entre a empresa e o banco.

 Quem participa apenas como fiador em contrato de financiamento não tem legitimidade para ajuizar ação revisional. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, no mesmo julgamento, estabeleceu que prescreve em dez anos (na vigência Código Civil de 2002) ou 20 anos (na vigência do CC de 1916) a pretensão revisional de contrato bancário sem previsão legal específica de prazo distinto.

 Fontes: Recurso Especial nº 9.26792-SC, 3ª Turma STJ, acórdão DJ-e 17/04/15, trânsito em julgado 05/05/15.