04/10/2017 às 23h10

Recuperação judicial impede a homologação de sentença estrangeira? Entenda a discussão

Por Equipe Editorial

Trata-se de pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira proferida pela Câmara de Comércio Internacional – ICC, em 22/7/2014, na Suíça, que julgou procedente o pedido no âmbito do procedimento arbitral intentado por […] GMBH, sociedade de origem alemã, em face de […] & Cia Ltda., sociedade empresária brasileira (fls. 1-5).

Informa a requerente que, em agosto de 2011, as partes celebraram contrato de compra e venda, tendo sido emitidas duas faturas comerciais, no valor de US$ […], cujos aceites foram realizados no dia 24/9/2011, data em que os produtos foram entregues em São Francisco do Sul/SC.

Contudo, o valor total da dívida, decorrente das duas faturas emitidas, US$ […], com vencimento em 22/1/2012, jamais foi adimplido, acarretando a configuração da mora de pleno direito.

Lei de Quebras

inge-se a controvérsia a saber se o art. 6º da Lei 11.101/2005, que prevê a suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor com o deferimento do processamento da recuperação judicial, constitui óbice à homologação de sentença arbitral estrangeira que imputa à recuperanda obrigação de pagar. Inicialmente, cumpre salientar que, em consonância com a Lei n. 11.101/2005, a recuperação judicial tem o escopo precípuo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, com vistas a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Sentença Arbitral Estrangeira

Essa é a razão de ser do art. 6º do referido diploma legal. Em paralelo, é de sabença que o processo de homologação de sentença estrangeira tem natureza constitutiva, destinando-se a viabilizar a eficácia jurídica de um provimento jurisdicional alienígena no território nacional, de modo que tal decisão possa vir a ser aqui executada. A homologação é, portanto, um pressuposto lógico da execução da decisão estrangeira, não se confundindo, por óbvio, com o próprio feito executivo, o qual será instalado posteriormente – se for o caso -, e em conformidade com a legislação pátria. Nessa linha de intelecção, não há falar na incidência do art. 6º, § 4º, da Lei de Quebras como óbice à homologação de sentença arbitral internacional, uma vez que se está em fase antecedente, apenas emprestando eficácia jurídica a esse provimento, a partir do que caberá ao Juízo da execução decidir o procedimento a ser adotado.

Por sua vez, os arts. 38 e 39 da Lei n. 9.307/1996 dispõem:

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I – as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II – a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

III – não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV – a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V – a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

VI – a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Ressoa evidente, portanto, que o processo de homologação de sentença estrangeira em face de recuperanda não exerce nenhum efeito coibitivo ao princípio da preservação da empresa. Ainda que assim não fosse, é certo que a suspensão da exigibilidade do direito creditório, prevista no mencionado dispositivo legal é temporária, não implicando a extinção do feito executivo, haja vista que a recuperação judicial de sociedade devedora não atinge o direito material do credor.

Decisão STJ

Nessa fase processual ainda não se alcança, no plano material, o direito creditório propriamente dito, que ficará indene – havendo apenas a suspensão temporária de sua exigibilidade – até que se ultrapasse o termo legal (§ 4° do art. 6°) ou que se dê posterior decisão do juízo concedendo a recuperação ou decretando a falência (com a rejeição do plano).

Como o deferimento do processamento da recuperação judicial não atinge o direito material dos credores, não há falar em exclusão dos débitos, devendo ser mantidos, por conseguinte, os registros do nome do devedor nos bancos de dados e cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, assim como nos tabelionatos de protestos. Também foi essa a conclusão adotada no Enunciado 54 da Jornada de Direito Comercial I do CJF/STJ.

Fontes: Sentença Estrangeira Contestada Nº 14.408 – FR, Corte Especial STJ, acórdão DJ-e 31/08/17. Trânsito em julgado em 25/0917.