18/08/2018 às 22h08

Contratação de autônomo após a Reforma Trabalhista

Por Equipe Editorial

Destinatário

Nome: DOCUMENTAL CONTABILIDADE LTDA – EPP

Email: rosana@documentalcontabil.com.br

Nome Empresarial: DOCUMENTAL CONTABILIDADE

Responsável: ROSANA SABRINA DE PAULA DE ARAÚJO

CNPJ/CPF: 04.777.836/0001-58

Telefones: 3242-4132

Origem: Multilex

Síntese da Consulta

O consulente expõe:

Senha Assinante: MEC=OTREPSE

Existe previsão legal, fundamentação legal que impeça empresas cuja atividade: CNAE 74.90-1-01 – Serviços de tradução, interpretação e similares de firmar contratos com associados (semelhante aos critérios dos associados em escritórios advocatícios?)

Determinada empresa de serviços de tradução enseja firmar parcerias de modo que os mesmos sejam remunerados pelas demandas de trabalho (distribuir lucros com base nos resultados obtidos na participação de serviços pontuais) sem participação no resultado global da empresa; existe alguma previsão legal e documentos que atestem essa modalidade de contratos?

Sabemos que o artigo 39 do Estatuto da OAB prevê essa modalidade para advogados, contudo pelas empresas registradas na Junta Comercial, não identifiquei essa possibilidade.

Para tanto, solicito vossa consultoria como resposta fundamentada para os questionamentos.

Ementa Desenvolvida

CONTRATO DE PARCERIA – FORMA DE REMUNERAÇÃO LIVRE – LICITUDE – CONDIÇÃO – NOVA CLT E LEIS CIVIS –  SOLUÇÃO DE CONSULTA N° 156/2018

1 – Princípio da Legalidade

2 – Contrato de Prestação de Serviços – Forma Livre

3 – Nova CLT e o Contrato de Autônomo

4 – Síntese Conclusiva

Solução da Consulta

1 – Princípio da Legalidade

Nossa Constituição Federal erige e consagra o princípio da legalidade, de forma que todas as nossas ações sejam permeadas pela lei, de forma direta ou indireta.

O princípio da legalidade tem duas faces. Uma para o particular e outra para o Poder Público.

Para o particular a regra é a de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

(destaques acrescidos)

Disso decorre que se não houver regra proibitiva de algo, isso estará permitido para o particular.

Já para o Poder Público, toda ação deve estar expressamente prevista/autorizada na lei, por uma questão de bom funcionamento do Estado de Direito e de segurança jurídica. Não basta não haver proibição de determinada conduta para que ela seja automaticamente permitida. Ela precisa expressamente estar permitida.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Na situação apresentada, o princípio da legalidade tem as características oponíveis ao Poder Público, uma vez que o Poder Público (representado pela Junta Comercial, por exemplo) não pode ser totalmente livre para aceitar ou não (levar a registro) essa ou outra forma de registro de sociedade, a seu livre arbítrio; deve sim se submeter ao rito legal estabelecido, às hipóteses legais.

Inclusive pertine citar que foi publicada recentemente a Instrução Normativa DREI n° 48/18, que arrola de forma taxativa as hipóteses de exigências nas Juntas Comerciais, de maneira que outras não poderão ser impostas ao particular.

Também se manifesta in casu o outro aspecto do princípio da legalidade, perante o particular, diante do qual ele é livre para a celebração de negócios jurídicos (contratos), desde que observe os parâmetros legais apontados adiante.

2 – Contrato de Prestação de Serviços – Forma Livre

O consulente indaga se existe fundamentação legal que impeça empresas cuja atividade identificada com o CNAE 74.90-1-01 (Serviços de tradução, interpretação e similares) firmem contratos com associados (com critérios semelhantes aos adotados nas contratações dos associados em escritórios de advocacia, com base na Lei n° 8.906/94 e seus regulamentos).

A resposta é: não há fundamento legal que impeça um contrato feito à semelhança dos contratos de associados. Mas, por outro lado, o contrato de associados em escritórios advocatícios está inserido numa moldura legal feita especificamente para a atividade de advocacia, e não comporta outra atividade.

Assim, pode haver contrato inspirado na mesma ideia, mas ele não poderá repetir todas as características desse contrato tão específico, diante do que orientamos que não se utilize, por exemplo, o termo “associados”, mas sim autônomos, prestadores de serviços ou parceiros, no bojo do contrato de prestação de serviços/contrato de parceria.

O Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406/02) admite e reconhece a celebração de diferentes negócios jurídicos, mesmo aqueles que não estão nele previstos, chamados por isso de atípicos. Basta que sejam respeitadas as regras mínimas e gerais:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

O que se precisa ter em mente é que a prestação de serviços é admitida e poderá ser pactuada de forma livre, desde que atenda aos requisitos do dispositivo legal abaixo transcrito:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Sobre o contrato de prestação de serviços, são traçadas as seguintes regras gerais no Código Civil brasileiro:

CAPÍTULO VII

Da Prestação de Serviço

Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.

Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

Art. 596. Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade.

Art. 597. A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações.

Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra.

Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato.

                            (…)

Art. 600. Não se conta no prazo do contrato o tempo em que o prestador de serviço, por culpa sua, deixou de servir.

Art. 601. Não sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado trabalho, entender-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as suas forças e condições.

Art. 602. O prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou concluída a obra.

Parágrafo único. Se se despedir sem justa causa, terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa.

Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato.

Art. 604. Findo o contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte a declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se for despedido sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o serviço.

Art. 605. Nem aquele a quem os serviços são prestados, poderá transferir a outrem o direito aos serviços ajustados, nem o prestador de serviços, sem aprazimento da outra parte, dar substituto que os preste.

Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé.

Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública.

Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.

Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

Art. 609. A alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos serviços se opera, não importa a rescisão do contrato, salvo ao prestador opção entre continuá-lo com o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante.

(destaques acrescidos)

3 – Nova CLT e o Contrato de Autônomo

A propósito, a Nova Consolidação das Leis do Trabalho, na redação dada pela Lei n° 13.467/17 (Lei da Reforma Trabalhista), preconiza a aplicação subsidiária do direito comum (inclusive o civil), destacando que a Justiça do Trabalho procederá à análise dos instrumentos coletivos de trabalho sob a ótica do art. 104 do Código Civil:

Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

§ 1° O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

(…)

§ 3°  No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)        

(destaques acrescidos)

O consulente expõe a intenção de determinada empresa (cliente) de firmar parcerias de modo que os parceiros sejam remunerados pelas demandas de trabalho (mediante distribuição de lucros com base nos resultados obtidos na participação de serviços pontuais), sem participação no resultado global da empresa. Questiona se existe alguma previsão legal e documentos que atestem essa modalidade de contratos.

De fato, a participação global no resultado (distribuição de lucros e prejuízos) só se dá em relação aos sócios e acionistas, o que tem fundamento no Código Civil, arts. 997 e 1.055, dentre outros embasamentos jurídicos.

Pode-se sim pactuar que a remuneração advenha da participação em serviços pontuais. Será necessário no entanto estipular regras claras de remuneração, calculada sobre o valor do serviço prestado, inclusive se sugere a confecção de um instrumento contratual com rigor técnico para a hipótese apontada.

Cabe outrossim salientar que se na atividade em tela estiverem presentes de forma conjunta os requisitos do vínculo de emprego (habitualidade + onerosidade + subordinação jurídica), será provável a consequência de ser desconsiderada toda a forma adotada em detrimento da realidade do Direito do Trabalho.

A CLT conceitua empregado e trabalhador autônomo:

Art. 3ºConsidera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

(..)

Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3° desta Consolidação.  (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

A esse respeito, norma do Ministério do Trabalho, publicada em 24 de maio de 2018, busca esclarecer a regra do art. 442-B da CLT, introduzido com a Reforma Trabalhista:

PORTARIA Nº 349, DE 23 DE MAIO DE 2018 (DOU 24/05/18)

Estabelece regras voltadas à execução da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, no âmbito das competências normativas do Ministério do Trabalho.

Art. 1º A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.

§ 1º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.

§ 2º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.

§ 3º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade, caso prevista em contrato.

§ 4º Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.

§ 5º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.

(destaques acrescidos)

Síntese

Considerado o exposto, em atenção ao princípio da legalidade, não existe fundamentação legal que impeça a contratação de autônomos/prestação de serviços inspirada no contrato de associados por escritórios de advocacia, especialmente no que tange a critérios remuneratórios.

Atualmente, como se demonstrou, há considerável base legal atinente à regulação da prestação de serviços, que referenda os contratos a serem celebrados sob essa identificação. E o documento adequado nesse âmbito é o que espelhar de forma clara, detalhada e técnica a realidade da prestação de serviços.

(ALSC: revisado em 18/08/18)

Pesquisadores

_________________________

Ana Beatriz Ferreira

Consultor Empresarial

OAB/DF 24.273

 

_________________________

Antônio Sagrilo

Consultor Empresarial

OAB/DF 14.380