02/07/2015 às 06h07

STJ: Contrato internacional pode ser cobrado no Brasil

Por Equipe Editorial

A autora foi vencedora de licitação internacional, tendo firmado contrato com o citado Ministério para execução de obras de edificação imobiliária da nova sede da Embaixada da República Argentina em Brasília, estando a edificação concluída, quando do ajuizamento da ação cautelar, em 95% do que fora contratado, sendo que os restantes 5% não teriam sido concluídos por culpa exclusiva do Ministério e da Direção de Obra, que teriam promovido, no curso da aludida edificação, modificações contratuais alegadamente abusivas.

Em razão da discordância entre as partes, os 5% restantes do empreendimento não foram concluídos. Temendo a rescisão unilateral do contrato, a empresa ajuizou ação cautelar no Brasil.

Discussão Doutrinária

O juízo de primeiro grau declarou a incompetência do Judiciário Brasileiro em virtude da cláusula que elegia a Justiça Argentina para resolver os conflitos resultantes do contrato. Ao mesmo tempo, extinguiu a ação sem julgamento de mérito sob o fundamento de não ser possível declinar da competência em favor da Justiça argentina. No recurso ao STJ, a empresa pediu a cassação da sentença.

Colhe-se na doutrina valioso e específico ensinamento sobre a questão, de autoria de Guillermo Federico Ramos:

“Com efeito, a despeito de o CPC empregar erroneamente o termo ‘competência internacional’, a norma regula, na verdade, a jurisdição brasileira para julgar as causas enumeradas nos arts. 88 e 89: o art. 88 trata dos casos em que a jurisdição brasileira é concorrente com a dos outros Estados, enquanto o art. 89, por sua vez, ressalva os casos da jurisdição brasileira exclusiva. Por outro lado, estas normas, que regulam e definem a extensão da jurisdição brasileira, estão fundadas na soberania nacional, que, como já dito antes, a Constituição estabelece ser um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil. (…)

Por isso é que, por se relacionar à própria soberania, não podem as partes derrogar a jurisdição, ampliando-a ou restringindo-a, em cláusulas contratuais que estabeleçam que as demandas originadas da aplicação do ordenamento jurídico dos envolvidos no negócio contratual não poderão ser ajuizadas perante o Estado que tem jurisdição para a causa.(…)

Os limites da jurisdição nacional não podem, por isto, ser ampliados, nem restringidos, por vontade das partes. As partes podem modificar a competência territorial, mas não podem modificar a extensão da jurisdição nacional.(…)

As normas de competência internacional são, pois, normas de ordem pública (pp. 52-53).”

Continuando, diz o articulista:

“(…) d) o autor pode optar por qualquer das jurisdições concorrentes (a nacional ou a estrangeira) ou valer-se de ambas simultaneamente, sendo ineficaz a sua renúncia a qualquer delas; o réu, por sua vez, estará sujeito a qualquer delas ou a ambas simultaneamente, sendo ineficaz (para os efeitos de homologação da  sentença estrangeira) qualquer ato seu de aceitação ou impugnação da competência internacional do juiz estrangeiro.(…)

Soberania

Em seu voto, o ministro Raul Araújo destacou que o caso se enquadra em dois incisos do artigo 88 do Código de Processo Civil: obrigação a ser cumprida no Brasil e ação originada de fato ocorrido no país. “O artigo 88 trata da denominada competência concorrente, dispondo sobre casos em que não se exclui a atuação do juízo estrangeiro, podendo a ação ser instaurada tanto perante juízo brasileiro quanto diante de juízo estrangeiro”, explicou o relator.

Por ser competência concorrente, é possível a eleição de foro, mas, segundo ele, a existência dessa cláusula contratual não impede o ajuizamento de ação no Brasil.

“A jurisdição, como exercício da soberania do estado, é inderrogável e inafastável e, ainda que válidas, como na presente hipótese de competência internacional concorrente, as cláusulas que elegem foro alienígena em contratos internacionais não têm o poder de afastar a jurisdição brasileira. Entender de forma diversa apenas porque as partes assim o pactuaram significaria, em última análise, afronta ao postulado da soberania nacional”, afirmou Raul Araújo.

Decisão STJ

O relator entendeu ainda que o magistrado se precipitou ao extinguir o processo antes mesmo da citação do estado estrangeiro réu, pois a Súmula 33 do STJ prevê que “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”. Acompanhando o relator, a turma cassou a sentença e determinou o prosseguimento regular do processo.

A cláusula de eleição de foro estrangeiro presente em contratos internacionais não excluiu a possibilidade de ajuizamento de ação perante a Justiça Brasileira. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu recurso de uma empresa de engenharia brasileira contra a República da Argentina. O STJ já tem precedentes sobre o tema.

Apesar de válida a cláusula de eleição de foro territorial para a causa originada de contrato entabulado entre sociedade empresária brasileira e Estado estrangeiro, isso, por si só, não exclui a jurisdição brasileira concorrente para o conhecimento e julgamento de causa aqui aforada para discussão do contrato. A escolha contratual de um foro estrangeiro para dirimir o conflito decorrente do contrato não impede que seja também ajuizada a ação no Brasil, nos casos de competência concorrente.

Fontes: Recurso Ordinário nº0114DF, 4ª Turma STJ, acórdão DJ-e 25/06/15.