31/03/2015 às 23h03

Maxidesvalorização do real em face do dólar não é motivo para revisão contratual, julga STJ

Por Equipe Editorial

 Contrato em Dólar

 No recurso especial, interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, e por aplicação do CDC, tem o direito de ter revisado o pacto que firmou com a recorrida, fixando o dólar em patamar justo, antes do estouro da banda e promover a indexação das parcelas convertidas para moeda nacional por meio de INPC, com acréscimo de juros legais não capitalizados; é consumidor final do produto do serviço prestado pela recorrida, fornecedora do equipamento médico, pois o recorrente é médico que realiza exames de ultrassom, a possibilidade de revisão de contrato atrelado ao dólar frente a maxidesvalorização do real a partir de janeiro de 1999, aplicando-se a teoria da imprevisão.

 No mérito, a polêmica do presente recurso especial situa-se em torno da possibilidade de revisão de contrato de financiamento, celebrado em moeda estrangeira, para aquisição de equipamento médico (sistema de ultra-som Logic 400) utilizado na atividade profissional do recorrente, cujas prestações sofreram acentuada elevação em face da maxidesvalorização do real frente ao dólar ocorrida em janeiro de 1999.

 Teoria da Onerosidade Excessiva

 Formaram-se duas correntes na doutrina nacional em torno da interpretação dessa expressão e, por consequência, da própria extensão do conceito de consumidor: os finalistas e os maximalistas.

 A corrente finalista, formada pelos pioneiros do consumerismo no Brasil, na busca de uma interpretação restritiva do conceito de consumidor, sustenta que a expressão “destinatário final” deve ser analisada teleologicamente, em confronto com os princípios básicos do CDC elencados nos artigos 4º e 6º, abrangendo apenas aquele que seja vulnerável e hipossuficiente. Assim, somente o destinatário fático e econômico do bem pode ser considerado destinatário final, ficando excluídos os profissionais.

 A corrente maximalista optou por uma interpretação extensiva do conceito de consumidor a partir da constatação de que o CDC surgiu como o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, não sendo editado apenas para proteger o consumidor não profissional. Seus seguidores enfatizam que o conceito de destinatário final do art. 2º é objetivo, atingindo todo o destinatário fático do bem, que o retira do mercado, não importando a utilidade ou a finalidade desse ato econômico de consumo, como o advogado que adquire uma máquina de escrever para seu escritório.

 Até meados de 2004, a Terceira Turma adotava a posição maximalista, enquanto que a Quarta Turma seguia a corrente finalista, conforme levantamento transcrito no voto-vista da  Ilustre Ministra Nancy Andrighi no CC nº 41.056/SP, julgado pela 2ª Seção em 23.06.2004.

 A jurisprudência desta Corte sedimenta-se no sentido da adoção da teoria finalista ou subjetiva para fins de caracterização da pessoa jurídica como consumidora em eventual relação de consumo, devendo, portanto, ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido (REsp 541.867/BA).

 Ademais, o princípio da autonomia da vontade confere aos contratantes ampla liberdade para estipular o que lhes convenha, desde que preservada a moral, a ordem pública e os bons costumes, valores que não podem ser derrogados pelas partes. Desse modo, a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, tendo em vista, em especial, o disposto nos arts. 317, 478 e 479 do CC. Nesse passo, constitui pressuposto da aplicação das referidas teorias, a teor dos arts. 317 e 478 do CC, como se pode extrair de suas próprias denominações, a existência de um fato imprevisível em contrato de execução diferida, que imponha consequências indesejáveis e onerosas para um dos contratantes. A par disso, o histórico inflacionário e as sucessivas modificações no padrão monetário experimentados pelo País desde longa data até julho de 1994, quando sobreveio o Plano Real, seguido de período de relativa estabilidade até a maxidesvalorização do real em face do dólar, ocorrida a partir de janeiro de 1999, não autorizam concluir pela inexistência de risco objetivo nos contratos firmados com base na cotação da moeda norte-americana, em se tratando de relação contratual paritária.

 Decisão do STJ

 A intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometa o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica.

 A teoria da base objetiva, que teria sido introduzida em nosso ordenamento pelo art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor – CDC, difere da teoria da imprevisão por prescindir da previsibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas.

 Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano. Com efeito, na relação contratual, a regra é a observância do princípio pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes e, por conseguinte, impõe ao Estado o dever de não intervir nas relações privadas.

 Em que pese sua relevante inovação, tal teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor, mormente com a finalidade de conferir amparo à revisão de contrato livremente pactuado com observância da cotação de moeda estrangeira.

 Fontes: Recurso Especial nº 1.321.614-SP, 3ª Turma STJ,  acórdão DJe 03/03/15, trânsito em julgado 19/03/15.